quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Já dizia o sábio Mussum: Keanu Reeves.

Um fato notório sobre mim é que eu leio muito. Do tipo viciada mesmo, que tem crise de abstinência. É um traço da minha personalidade, que devo creditar mais à infinita curiosidade sobre tudo que é como um buraco negro me consumindo do que à questão cultural.
Ser uma grande leitora sempre foi motivo de orgulho, afinal é um hábito excelente e o pouquinho que domino da escrita e da correção gramatical deve-se muito mais aos livros que aos bancos da escola. Se alguém me perguntasse o que mais admiro em mim, seria isto. Ler muito talvez seja a principal característica positiva em mim. Quiçá a única.

Mas aí que toda essa disposição pra ler não é nada, não diz nada. Não é motivo de orgulho porque é apenas uma forma de preencher um vazio, uma forma de querer viver outras vidas, ter outras sensações, sentir outros gostos. Não sei se tenho idéias, desejos ou objetivos meus, me pergunto se não estou constantemente assumindo personalidades de histórias que leio, se não estou desejando o que eles desejam, se não sou tão insípida a ponto de não conseguir ter um pensamento realmente meu que não tenha vindo de alguma história lida. Ou se, por outro lado, tenho muito de meu, mas que está sendo varrido pra debaixo do tapete da literatura porque, bem, não é algo que queiramos mostrar às visitas.

O que me deixa de fato espantada é pensar que, meu deus, tanta leitura para eu ser esta pessoa, pra eu ter esta vida! O que tanta leitura me trouxe? Para estar aos 34 anos tentando ter um foco na vida profissional - o que deveria ter feito há 15 anos atrás. Para continuar acreditando que o universo magicamente dará um jeito nas coisas e tudo vai dar certo (COMO???). Para seguir correndo atrás de coisas que quero fazer sem ter o menor compromisso com a realidade. Planos baseados em... nada. Nenhuma base na realidade atual que possa ser usada como plataforma para outros vôos. Um sub-emprego cuja única utilidade prática é pagar (parte) das contas. Planos, esperanças e projetos firmemente ancorados na minha ilusão. Exatamente como há 15 anos atrás, mas desta vez sem a desculpa da juventude e inexperiência. Pois é, eu devia ter aprendido, se não nos livros, ao menos com a vida. Mas por que cometer apenas um erro se posso passar a vida inteira fazendo escolhas idiotas?
A maior delas, sem dúvida, foi decidir voltar a morar em Capitólio. Veja, eu morei aqui por 17 anos. Eu só não nasci aqui porque na época o hospital mais próximo era na cidade vizinha. Eu sabia exatamente o que me esperava, mas ainda assim, eu vim. Eu achei que seria interessante pra família como um todo, e eu tenho certeza que meu subconsciente estava dançando a macarena enquanto paria 5 filhos coloridos na tentativa de chamar minha atenção pra magnitude da merda, gritando NÃOOOOO SUA LOOOOKA!!1!!!!11! Mas ali estava eu, diante de uma grande oportunidade de quebrar a cara, como não aproveitar?
Capitolio, pra quem não conhece, é tão bonitinha... a cidade pequenininha, com uma praia artificial, um condomínio na beira do lago de Furnas chamado Escarpas do Lago que funciona como um centro magnético atraindo coxinhas num raio de 500km, montanhas e cachoeiras belíssimas que desaguam no Lago de Furnas e formam uma paisagem única. É lindo, mas é uma bosta. Porque fazer turismo é ótimo, mas vai viver naquele lugarzinho adorável e pitoresco pra ver o que é bom, vai!
Desde que eu era uma adolescente sem noção, preocupada em como encher a cara gastando o mínimo possível, nada mudou. NA-DA. As pessoas continuam falando sobre os mesmos assuntos, curtindo os mesmos rolês, ignorando acintosamente toda e qualquer manifestação cultural vinda de fora (exceto os bordões da novela das 8 e dos locutores de rodeio), julgando os mesmos comportamentos dos vizinhos, não acreditando em diversão sem álcool, tratando o padre como se ele fosse um santo reencarnado, preocupados em ter um carro melhor que o do colega e falando as mesmas gírias dos anos 80. Sério, gente, meu filho um dia chegou em casa falando vapo* e eu quase tive um infarto porque 1-odeio esta palavra e 2-porra, 20 anos depois, a mesma gíria? Seriously?

Uma única coisa boa aconteceu neste ano: comecei uma pós. E só. Mas sendo eu um caso de polianismo patológico, diria que foi bom perceber o quanto eu evoluí depois que saí daqui, o quanto eu não perdi ficando longe e que, aos 34, voltei a ter uma meta principal na vida (que é uma reprise da meta dos 16): preciso sair deste lugar RÁPIDO! Porque metas de vida de pessoas adultas, tipo trocar o carro, passar em um concurso, comprar uma casa, viajar nas férias, estas não são pra mim. Como poderia planejar tais coisas se minha idade mental estacionou nos 15?
Então voltando ao começo: Eu, tão orgulhosa das minhas leituras. Eu que sou tida como uma pessoa inteligente e culta. Eu, que nem sei quantos livros li na vida. Eu, que escrevo razoavelmente bem. Eu, que já estudei História da Arte, da Educação, Urbanismo, Filosofia, Sociologia. Eu, que manjava dos paranauê de Autocad. Eu, que sei quem é Bourdieu, Foucault e Keynes. Eu, que todos os dias visto meu uniformezinho e vou trabalhar em um emprego que eu morria de medo de ter na adolescência, cujo desafio intelectual é zero, cuja capacidade criativa exigida é zero, cuja escolaridade necessária é o ensino médio e cuja remuneração é igual a 1 salário. Eu, esta pessoa inteligente e culta. Imagina na copa se fosse burra!

Tentarei com todas as minhas forças esquecer que existiu 2013, mas sei que ele ficará indelevelmente marcado como o ano da Grande Volta Por Baixo. É uma pena que não tenha sido instituído o prêmio Nobel da Autossabotagem, a esta altura eu já seria hors concours

Esperanças para 2014? Sempre. Alguma perspectiva real de ser um pouco melhor que 2013? Nenhuma.

* Vapo é uma interjeição que transmite a idéia de surpresa e/ou indignação, por exemplo: "Fulanim, vc quer comer esta torta de jiló azedo?" "váaapu, nem morto!".

2 comentários:

  1. Quando entendi o "Keanu Reeves" tive um ataque de riso (demorou um bom tempo pra entender!). E olha, se eu não soubesse que foi você quem escreveu esse texto, eu pensaria seriamente se não fui eu que escrevi numa catarse e esqueci logo depois. Tirando algumas coisitas, isso tudo sou eu:

    "Eu, tão orgulhosa das minhas leituras. Eu que sou tida como uma pessoa inteligente e culta. Eu, que nem sei quantos livros li na vida. Eu, que escrevo razoavelmente bem. (...) Eu, esta pessoa inteligente e culta. Imagina se fosse burra!"

    eu que me vejo procurando "um emprego que eu morria de medo de ter na adolescência, cujo desafio intelectual é zero, cuja capacidade criativa exigida é zero, cuja escolaridade necessária é o ensino médio e cuja remuneração é igual a 1 salário".

    E nada melhor define 2013 como "o ano da Grande Volta Por Baixo". A única coisa que me alegra é que não voltei pra uma cidadezinha em que morei, assim como você, senão era capaz de eu querer cortar os pulsos.

    E, nossa, se eu achava "massa" uma gíria ridícula, vi que podem existir coisas piores, como "vapo" O.o

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